A Matemática do Inesperado: Como Nasceu a Teoria das Probabilidades

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Dois dados pretos e uma moeda simbolizando o acaso e os fundamentos da teoria das probabilidades

Introdução

Por que conseguimos prever com tanta precisão a chance de chover amanhã, de um cliente cancelar uma assinatura ou de um modelo antecipar uma tendência de mercado?
A resposta está na Teoria das Probabilidades — um dos pilares da ciência moderna, que começou séculos atrás como uma simples curiosidade sobre jogos de azar e hoje sustenta áreas como estatística, ciência de dados e inteligência artificial.


As Origens: Laplace e a Base Matemática da Probabilidade

O matemático francês Pierre-Simon Laplace (1749–1827) é considerado o fundador da teoria das probabilidades.
No final do século XVIII e início do XIX, Laplace buscava compreender o acaso sob uma ótica matemática. Ele acreditava que a incerteza podia ser medida e compreendida — uma ideia revolucionária para sua época.
Sua principal obra, Théorie Analytique des Probabilités (1812), foi um marco na história da matemática e deu base à estatística moderna.

Embora suas ideias tenham inaugurado o campo, a formulação moderna da probabilidade se consolidou posteriormente, ao se fundamentar em três pilares matemáticos principais:

Essas três estruturas forneceram o rigor e a coerência lógica que transformaram a probabilidade em uma ciência formal e aplicável — tanto ao mundo físico quanto ao universo dos dados.


Linha do Tempo — Quem Moldou a Teoria da Probabilidade

  • Blaise Pascal (1623–1662) e Pierre de Fermat (1607–1665): iniciaram a matemática do acaso na famosa correspondência de 1654 sobre jogos, resolvendo o “problema dos pontos”. São considerados os fundadores da teoria das probabilidades.
  • Jacob Bernoulli (1654–1705): em Ars Conjectandi (1713), formulou combinações e introduziu a Lei dos Grandes Números, um dos princípios fundamentais da estatística.
  • Abraham de Moivre (1667–1754): autor de The Doctrine of Chances (1718), foi o primeiro a aproximar distribuições discretas pela curva normal, base da inferência moderna.
  • Pierre-Simon Laplace (1749–1827): sistematizou e generalizou toda a teoria da probabilidade, aplicando-a a fenômenos científicos e sociais em Théorie Analytique des Probabilités.
  • Carl Friedrich Gauss (1777–1855): desenvolveu o método dos mínimos quadrados e a distribuição normal (ou curva de Gauss), conectando a probabilidade aos erros de medição.
  • Siméon Denis Poisson (1781–1840): introduziu a distribuição de Poisson (1830), usada até hoje em modelos de eventos raros e análise de filas.

Teoria vs. Teorema — Uma Diferença Essencial

Antes de avançar, vale lembrar:

  • Teoria é um sistema de conhecimento amplo que inclui leis, hipóteses e teoremas.
  • Teorema, por sua vez, é uma conclusão demonstrável dentro dessa teoria.

Assim, a Teoria das Probabilidades é o grande corpo de conhecimento que abriga diversos teoremas probabilísticos — como o Teorema de Bayes e o Teorema da Probabilidade Total, pilares da estatística e do aprendizado de máquina.


A Base 1: A Teoria dos Conjuntos

Criada por Georg Cantor a partir da década de 1870, a Teoria dos Conjuntos introduziu a ideia de tratar qualquer objeto matemático como parte de um conjunto.
Esse conceito se tornou a base da matemática moderna — toda a análise, álgebra, topologia e, claro, a probabilidade, são construídas sobre ela.

Na probabilidade, o espaço amostral é um conjunto que representa todas as possibilidades de um experimento.
Os eventos são subconjuntos desse espaço.

Exemplo: Se o espaço amostral de um dado é {1, 2, 3, 4, 5, 6}, o evento “sair número par” é o subconjunto {2, 4, 6}.

Curiosidade: A teoria dos conjuntos gerou debates filosóficos — muitos matemáticos acharam “perigosa” a ideia de falar em diferentes tipos de infinito, como discutido nas obras de David Hilbert.


A Base 2: A Teoria da Medida

Enquanto Cantor forneceu a estrutura, Émile Borel e Henri Lebesgue criaram a ferramenta para medir o tamanho dos conjuntos — a Teoria da Medida.
Ela permite atribuir números a conjuntos de forma consistente, mesmo que sejam infinitos ou complexos.
Na probabilidade, essa medida especial é interpretada como “chance”: o valor total é sempre 1, representando a certeza de que algum evento ocorrerá.

Leitura recomendada:
Measure and Probability — Count Bayesie (explicação moderna e intuitiva)

Sem a teoria dos conjuntos, não existiria medida.
Sem a teoria da medida, não existiria probabilidade moderna.


A Base 3: Os Axiomas de Kolmogorov

Em 1933, o matemático russo Andrey Kolmogorov percebeu que a probabilidade era um caso especial da teoria da medida.
Ele definiu três regras fundamentais — conhecidas como Axiomas da Probabilidade — que deram à teoria sua forma moderna e rigorosa:

  1. Não negatividade: A probabilidade de um evento nunca é negativa.
    Exemplo: não faz sentido dizer que a chance de sair “cara” é -30%.
  2. Totalidade: A soma de todas as probabilidades possíveis é 1.
    Exemplo: em um dado, a chance de sair algum número entre 1 e 6 é 100%.
  3. Aditividade: Se dois eventos não podem acontecer juntos (mutuamente exclusivos), a probabilidade de “um ou outro” ocorrer é a soma das probabilidades.
    Exemplo: sair 2 ou 5 em um dado é 2/6.

Referência:
Kolmogorov, A. N. (1933). Grundbegriffe der Wahrscheinlichkeitsrechnung — Os fundamentos do cálculo de probabilidade.


A Conexão Final

A Teoria dos Conjuntos fornece o vocabulário.
A Teoria da Medida ensina como dar números aos conjuntos.
Os Axiomas de Kolmogorov garantem consistência matemática.

E juntos, formam a Teoria das Probabilidades, que interpreta esses números como chances reais de algo acontecer.

Essa estrutura é a base de tudo que fazemos em ciência de dados, estatística e aprendizado de máquina.
Cada modelo preditivo, teste A/B ou previsão meteorológica é, na essência, um descendente direto dessas ideias criadas há mais de dois séculos.

Leitura complementar:


Conclusão

A Teoria das Probabilidades é um exemplo perfeito de como o pensamento humano evolui:
começa com o acaso, passa pela abstração matemática e termina moldando o futuro por meio dos dados.

O que antes era sorte, hoje é ciência — e o acaso, quando bem compreendido, se torna previsão.

Foto de Elias Paiva

Elias Paiva

Sou apaixonado por dados, tecnologia e comunicação. Atuo há mais de 10 anos na área de Business Intelligence e, mais recentemente, iniciei minha jornada no Web Design e Marketing Digital. Gosto de transformar ideias em projetos que unem razão e criatividade. Acredito no poder do conhecimento e na importância de contribuir, mesmo que aos poucos, para uma sociedade mais consciente e justa.

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